quinta-feira, 18 de março de 2010

Livros


Outro dia, na casa de um amigo, vi um livro sobre a mesa – livros tem o encanto de atrair-me os olhos tanto quanto as demais coisas agradáveis `a visão masculina - . Em sua capa, se não me engano, de um tom azul pastel, um titulo que prefiro não declinar.

Algo naquelas palavras afastou-me. Psicologia barata? Uma coletânea anestesiante de conselhos práticos duvidosos, sobre coisas onde é melhor o gratuito bom senso, escritas por um camarada cujo rosto jamais verei?

Ele é padre? Psicólogo? Pai de Santo? Alguém que viveu o suficiente pra não ter feito um recorta-e-cola de outros textos de mesmo teor-valor? Alguém que tenha escrito quem sabe, uma novela de realismo fantástico, um Borges, um Wells, Orwell, Asimov, alguém, que mesmo não escrevendo a sério, escreveria sério?

Tudo isso ocorreu, juro, na fração de segundo que levou pro meu anfitrião me ver encarando seu livro.

Uma gota de suor correu pela minha nuca. Alguns homens toleram muita coisa. Pode olhar até a mulher dele ( Tem quem se envaideça se te pega de olhos compridos, e faz aquela cara de: “… Viu? Essa é toda minha! Apenas não toque, ok meu chapa?...” ) - Quero desde já deixar claro que não há nenhuma atitude machista de minha parte, tratando o belo sexo como propriedade. Refiro-me apenas ao natural sentimento possessivo tão comum, embora tão hipocritamente criticado, que deixamos transparecer em nossa linguagem .- Mas há os que nunca perdoem que lhe espie os livros. São pessoas terríveis, se sentem olhos alheios sobre suas paixões.

Foi um longo instante. Parecia uma daquelas cenas de bangue-bangue `a italiana. Ambos parados, frente a frente, mãos ao lado do corpo, avaliando, estudando o movimento seguinte.

Olhei para a janela, pronto para uma retirada estratégica, mas antes que pudese comentar algo sobre o tempo, ele entrou em ação.

Deu a volta `a mesa, e eu ainda não sabia se seria atacado. Desconhecia sua relação com livros. Estava pronto pra jurar que nem ia ler a orelha, nem virar pra ler a lombada, nada mesmo.

Então ele me diz que o livro é muito especial, - Mas o título continua martelando no fundo da minha consciência como um gongo, um pré julgamento fortíssimo, inevitável, que me fez ter um repentino medo de ter oferecida a obra. -

É bem sabido por que gosta de ler, que, se você deixar essa fama espalhar-se, ocasionalmente vai ser praticamente convocado a partilhar da incrível experiência que alguém teve através de um texto, e não consegue imaginar como o resto da humanidade respira sem ter lido a maravilha.

Não foi o caso desse meu grande camarada. Livrou-me dessa. Pra bem ou pra mal, não me prometeu mandar o livro quando terminasse, ou fez menção de que seria meu presente no próximo aniversário. Também não fitou-me ameaçadoramente, ou fez qualquer movimento em direção á enorme faca ao lado de um bonito queijo. Respirei, e cortei a fina linha de suor da nuca.

Livros, são coisas mais pessoais que perfumes, mais ou menos como roupas íntimas. A menos que se tenha uma relação praticamente epidérmica com alguém, jamais lhe dê um livro se ele não fez algum comentário positivo sobre o dito cujo. Porque, se você dá uma cueca, por péssima que ela seja, não vai perguntar se a pessoa usou, e se usou, se é boa, se continua usando, se a curtiu profundamente.

Mas com o texto acontece! É um fato, que quem lhe deu algo de ler, vai fazer a ficha de leitura, vai querer saber suas impressões, e o que achou do desfecho.

Agora, vai dizer que achou uma merda?

Chego a achar que é sacanagem, uma enorme conspiração dos que não lêem contra os amantes da leitura. Empurram o maior abacaxi possível, dizendo o quanto é maravilhoso, numa terrível cara de pau, sem ligar pra opinião que passaremos a ter de alguém capaz de gostar daquela meleca.

Enfim, meu grande amigo foi cuidar do churrasco que assava cheiroso, falando mais pra ele que pra mim do conteúdo, enquanto eu cuidadosamente me retirava com ele – sem dar as costas `aquele volume causador de confusão – e agradeci silenciosamente este meu velho de longa data, por respeitar o gosto alheio.

… Ou será que ele já me ofereceu antes e eu desconversei?

terça-feira, 16 de março de 2010

Argentina


Uma vez, há alguns anos, eu caminhava por La Boca, em Buenos Aires, e as casinhas, coloridas, trouxeram-me, não sei por que, algo de solidão.

Eram todas, todas coloridas, naquela rua estreitinha, naquela manhã bonita de Sol, cheia de gente com máquinas penduradas no pescoço, todas amontoadas, como se estivessem com medo, como cãezinhos na frente de tanta gente estranha. Aquelas casinhas, ao mesmo tempo tão poéticas – e talvez por isso poéticas – lembraram-me solidão.

A solidão, que é o que de mais triste pode acontecer com qualquer um de nossa espécie, é um bater de coração sem eco, uma tristeza por não compartilhar, um não imposto `a alma, um nada, uma falta, uma dor constante.

Chamaram-me pra fotos. Ainda bem. Sorri.

Depois, fui a um pequeno museu, ali mesmo, no segundo andar de um casarão, conformado como um velho paquiderme com o implacável destino de ser museu até desaparecer.

Toda a mobília posava em seu lugar. Posará eternamente. Desde sempre pousou lá. Acreditaria se me dissessem que pertencera a Noé, ou Abraão, ou ao avô de Adão. Talvez estivesse ali desde antes de nós, aguardando-nos com a paciência de quem nos verá ir um dia.

Jamais senti o tempo assaltar-me tão fortemente, e confesso. Passei o resto do dia com um gosto de melancolia na boca.


Só curei-me, embora não totalmente, em Puerto Madero. Que lugar agradável!

Grandes quantidades de água são, por si, plenas. Têm algo a ver com a maternidade, creio eu. A vida veio da água, como vem da mulher, que quando realizada internamente é plena também.

Nada mais bonito que a água límpida refletindo o mundo, e a mulher que se descobriu. Coisas sagradas, muito mais ainda que mães.

Pensando nisso terminei meu sorvete de pistache, e pela primeira vez tentei me sentir argentino, o que ali, sob um lindo céu, era bem fácil.

Não sei quanto a outras nações. Se nasci argelino, norueguês ou cipriota, não recordo, mas é dificílimo esquecer a brasilidade, o cheiro, o gosto, a cor da casa da minha mãe, o som do riso dos meus amigos, a cor do meu mar.

Mas acho que pude ter uma boa ideia sobre o que é ser portenho. Não é ruim não... Apenas não é tão bom.


Inevitável, um café numa esquina, sob um guarda-sol imaculadamente branco, e a atenção um tanto desinteressada de um garçon magro como um dançarino de tango, com seu longo avental listrado, que fazia tudo sem olhar pra nada, como se a vida fosse entediante demais pra quem é tão jovem, e servir café fosse uma pena terrível ( talvez o seja, não sei realmente ).

Ser jovem é ser eterno, e deve ser realmente chato servir café quando se é imortal. O mundo fica pequeno. Essa é a mágica de se ser jovem, ou boa parte dela, se bem me lembro.

Fiquei admirando os portenhos em suas portenhices, quase todos muito elegantes, ligeiramente europeus demais pra serem naturais em público, ou ao menos eu assim achava. Creio hoje que seja grande parte de seu charme, mas ainda acho que seriam mais felizes se mais espontâneos. Não me cabe aqui julgar, apenas lembrar e pensar.


San Isidro foi maravilhoso. Foi lá que descobri que um pedaço da Argentina fica realmente na Europa. Mais fotos, e um ventinho frio que contrastou com a beleza das pessoas, ali mais humildes. Essas, muito menos europeias, acho que pareceriam refugiadas em alguns outros lugares de seu país. Será que no Brasil é assim também? Apanhei-me lembrando de Jurerê Internacional...

Perdi mais do que ganhei no cassino. O dono não pode reclamar. Cumpri com meu papel, afinal de contas. E o incrível é que perder dinheiro ali parece mais suportável que em outros lugares, quase natural. Pra isso são feitos os cassinos, não?


A noite, a sedução. Senhor Tango! Maravilhoso!

Se Buenos Aires tem alma – e ela tem - , esta canta tango, e frequenta o lugar.

Essa música andava com os negros, os vagabundos e os marinheiros no cais, onde, de cada porta podia-se ouvir o lamento sempre tenso e contido, inflamado e passional daquela melodia que brotava das paixões mais intensas.

O tango é doce até, mas amarga sempre, e sempre inesperadamente, mesmo conhecendo-se a melodia de cor. Tem gosto do ser amado, e de lágrima. De sexo, e de abandono. É mais, e menos que amor.

Uma amiga que mora lá, falava apaixonada da cidade, e só ali entendi o cerne desse encanto.

O portenho é um apaixonado, e Buenos Aires é apaixonante.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Viva a voragem!


"... a vida é algo que come a si mesma..." - Joseph Campbell

Passeando...


De meu filho, enquanto caminhávamos:
" - Pai, a gente pode tomar banho de mar nessa praia? - Coqueiros... -.
- Pode, mas não deve.
- ...? [Ele]
- Tu podes beber água de poça?
- Não!
- Podes sim. Posso brigar, te impedir, mas se quiseres mesmo, podes. Mas não bebes. Por quê?
- Faz mal...
- Essa praia já foi limpa, mas hoje, tem esgoto misturado. Tem coisa nessa água que nem gosto de pensar. Não era assim antes, mas é hoje. Podes entrar nesse mar?
- Posso!
- ...Mas agora não vais fazer, porque não vai te trazer nada de bom. Tu já sabes. Então, pode-se muita, muita coisa mesmo. Tanta que a gente nem acredita se for pensar bem. O difícil, quase sempre, o segredo de verdade, é a gente saber o que fazer, e não se pode. "

Acho que devo andar mais com meu filho. Ando aprendendo coisas muito importantes. Ele faz boas perguntas.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Vamos brincar de Lego?


Saiu uma revista nova, chamada Conhecer. A referência é boa, é uma versão brasileira da Knolegde, produzida pela BBC.
Na revista número oito, creio, a mais recente, achei um artigo bem interessante, sobre um negócio chamado biologia sintética, ou bioengenharia.
O que é isso? Basicamente, brincar de Deus.
Seria essa a grande chance do doutor Frankestein?
E, o que isso tem com a nossa vida?"
Bom, tem cura do câncer, tem uma embalagem ou produto que mudam de cor quando a coisa está vencida, remédio pra malária, ou uma bactéria que fermenta lixo muito, muito rapidamente. Bom!
Porém, - e sempre há um! - um grupo de pressão ambiental amigos da terra (FoE, em inglês), aponta alguns probleminhas em potencial
( mas NÃO será dessa vez que veremos formigas gigantes. Os amantes de filmes B, esqueçam! - Pelo menos por enquanto… -).
Biotecnologia, trata-se basicamente de reorganizar blocos de DNA, literalmente como em uma enorme construção de legos.
Isso quer dizer, criar vida, praticamente do nada.
Como os autores, Adam Rutheford e Paul Parsons explicam, é como um programa de computador. Com BioBlocos (BioBricks, em inglês) pode-se gerar um organismo com uma função pré determinada, bastando ordenar um código específico para criar uma vida completamente nova.
Curioso é o fato de haverem mais que biólogos trabalhando na área. Químicos, cientistas de materiais e engenheiros trabalham em projetos, onde a criatividdade é o limite.
Hoje, por exemplo, muitos grupos de estudantes, futuros biomanipuladores, lutam para vencer na " Máquina Geneticamente Alterada" (iGEM, sigla em inglês), uma conpetição que acontece no Massachussets Intitute of Tecnology (MIT).
Os alunos trazem organismos criados no verão anterior, e o resultado mais útil e criativo, leva um bloco gigante de Lego, um símbolo que determina bem claramente o que fazem.
Certo, então agora podemos entender um pouco da preocupação do pessoa, da FoE, certo?
E, se, alguém combinar a coisa errada? Da maneira errada? Na hora errada? Lugar? Intenção?
Enfim,as variáveis são muitas, muitíssimas. Nunca vi a expressão " Faca de dois gumes" tão claramente representada.
Como dizem os autores no final da matéria, “…o negócio é ter cuidado e responsabilidade”.
Quem viver verá!

O Judeu Errante


Algumas personagens são interessantíssimas. Trafegam pelo imaginário humano, trazendo sobre si uma enorme carga simbólica, misturando-se, no inconsciente coletivo ao Caldo Original, dando rosto ao caos de aspirações, pulsões, fobias, desejos etc.
São intérpretes de nossos sonhos, materializando, refletindo, permitindo.
Vez por outra, encontro um deles. Ou melhor; agarro-o pelo braço, e vou com ele conversando agradavelmente, mesmo que se trate de Átila – Garanto que ele não era o flagelo dos deuses quando bebia cerveja com leite de búfala com os amigos, ou quando punha um dos seus pequenos no joelho pra brincar - .
Todo esse papo, é pra falar de um camarada que anda, sempre de maneira discretíssima, embora faça parte da história mais contada, representada e talvez estudada do ocidente. Este senhor é o judeu errante.
Não, não vai aqui nenhum tipo de anti-semitismo. Simplesmente era assim chamado o sujeito, aliás, judeu como o próprio Jesus – Há os que detestem lembrar este pedacinho da biografia de JC -.
Muita gente ouviu falar vagamente quase sempre, no velho ossudo de cabelos e barbas brancas, com um olhar melancólico e um tanto distante, sempre de passagem, sempre deixando uma ajuda, um conselho, uma lição, ou ao menos uma triste história.
Ele já fez-se chamar Marcos, Davi, Jacques, Isaac laqueden, João, Yohan e muitas vezes, Ashaverius, ou Ahaverus.
Foi o sujeito que reclamou da balbúrdia provocada pela passagem de Jesus na Via Dolorosa, quando estava indo ao Calvário.
Resumindo a história, Ashaverius, o sapateiro, puto porque a confusão provocada pela passagem de Jesus atrapalhava-lhe os trabalho, esmurrou-o e Disse: “ ... – Vai andando! Vai logo!!! “, ao que Jesus, resolvendo não deixar barato, respondeu: “ ... – Eu vou, mas tu, ficarás até minha volta! “
Pronto. Logo o camarada teve de partir, pois morriam os vizinhos e parentes, mas ele, nada. Um vizinho assim, mais cedo ou mais tarde, chama atenção sabe, ainda mais num lugar sem TV.
Fato é – ou não – que ele têm de esperar a volta do Senhor. Se tiver aprendido bons modos, e pensar antes de bater nos outros, ganha o direito de morrer, e acho que um cantinho no Céu convinha, pois agüentar mais de dois mil anos de humanidade é dose pra Jó nenhum botar defeito!
Em alguns artigos, o início do boato sobre suas andanças é datado nos primeiros tempos do Islamismo ( Cerca do ano 622 da era cristã ) sem Especificar o local. Outros, o põe em Constantinopla, no século IV.
O fato é que quase sempre, este senhor surge como que do nada, andando – Claro – e inadvertidamente deixa escapar sua origem. Então, dá um jeito e desaparece, meio tipo o Mestre do magos na caverna do dragão.
Em 1228 o arcebispo da Grande Armênia dizia ter conversado com um sujeito que lhe contou perfeitamente como foi a paixão de Cristo. Chamava-se Carthaphilus, porque esmurrara o Senhor.
Muita gente acabou conversando com este homem. Um pouco mais recentemente, Borges o cita tão intimamente – Chama-o inclusive de Joseph, Joseph Carthaphilus, e dá sua profissão a de – convenientemente - antiquário.
O Errante, anda mesmo. Têm-se notícias dele em Damasco, na Síria. Algumas poucas décadas ou séculos depois, vadiou pela Península Ibérica, sob o singelo pseudônimo de “ Juan Esperendios” ( “ espera em Deus”), mas sumiu, pra voltar a ser visto na Itália, onde respondia por Giovanni Buttadeo (“bate em Deus”), mas logo, - Era apenas o século XVI, afinal de contas, e viajar era praticamente um modo de vida - partiu pra Alemanha, onde o Bispo de Hanburgo afirmou tê-lo conhecido pessoalmente, inclusive publicando a conversa que tiveram.
Existem relatos de passagens suas até no Brasil, onde descobriu-se – será que foi ele quem contou? – que só lhe é permitido parar mesmo na Sexta Feira da Paixão, pra assistir a missa. Mas, finda a tal, volta o errante a errar.
Rogésio de Wendower, lá por 1237 já contava sobre ele. Veio Chrysostomos Dudulaeus, citando-o em uma carta de 29 de Junho de 1547, e quem sabe mais quantos, a contar pequenas passagens da sua biografia de lá pra cá, incluindo o brasileiro João Ribeiro ( O Folclore, 308 ).
Gostaria mesmo, de encontrá-lo dando algum pão aos pombos, num talvez raro momento de repouso, e acompanhá-lo por algum tempo, ouvir dele, em seu português perfeito – embora um tanto arcaico, desconfio – das coisas que viveu, pessoas que conheceu, e lugares onde esteve.
Decerto que teria de andar um bom pedaço só pra saber de pequena parte, mas pediria que andasse mais devagar, em respeito `a minha pouca idade.
Desconfio, e não sei porquê, que seu andar seja célere, e uso esta palavra, talvez meio fora de uso, por combinar perfeitamente com ele, que aliás, saltou pra fora dos usos e desusos.
Este caminhante, partiu mesmo do espaço dos mitos, pois põe alguns a pensar, não se é eterno, e levou um pito exemplar de Jesus, mas, no que poderia me contar, esse camarada, conhecido por tanta gente interessante e certamente conhecedor de algumas coisas boas pra se ouvir.