Outro dia, na casa de um amigo, vi um livro sobre a mesa – livros tem o encanto de atrair-me os olhos tanto quanto as demais coisas agradáveis `a visão masculina - . Em sua capa, se não me engano, de um tom azul pastel, um titulo que prefiro não declinar.
Algo naquelas palavras afastou-me. Psicologia barata? Uma coletânea anestesiante de conselhos práticos duvidosos, sobre coisas onde é melhor o gratuito bom senso, escritas por um camarada cujo rosto jamais verei?
Ele é padre? Psicólogo? Pai de Santo? Alguém que viveu o suficiente pra não ter feito um recorta-e-cola de outros textos de mesmo teor-valor? Alguém que tenha escrito quem sabe, uma novela de realismo fantástico, um Borges, um Wells, Orwell, Asimov, alguém, que mesmo não escrevendo a sério, escreveria sério?
Tudo isso ocorreu, juro, na fração de segundo que levou pro meu anfitrião me ver encarando seu livro.
Uma gota de suor correu pela minha nuca. Alguns homens toleram muita coisa. Pode olhar até a mulher dele ( Tem quem se envaideça se te pega de olhos compridos, e faz aquela cara de: “… Viu? Essa é toda minha! Apenas não toque, ok meu chapa?...” ) - Quero desde já deixar claro que não há nenhuma atitude machista de minha parte, tratando o belo sexo como propriedade. Refiro-me apenas ao natural sentimento possessivo tão comum, embora tão hipocritamente criticado, que deixamos transparecer em nossa linguagem .- Mas há os que nunca perdoem que lhe espie os livros. São pessoas terríveis, se sentem olhos alheios sobre suas paixões.
Foi um longo instante. Parecia uma daquelas cenas de bangue-bangue `a italiana. Ambos parados, frente a frente, mãos ao lado do corpo, avaliando, estudando o movimento seguinte.
Olhei para a janela, pronto para uma retirada estratégica, mas antes que pudese comentar algo sobre o tempo, ele entrou em ação.
Deu a volta `a mesa, e eu ainda não sabia se seria atacado. Desconhecia sua relação com livros. Estava pronto pra jurar que nem ia ler a orelha, nem virar pra ler a lombada, nada mesmo.
Então ele me diz que o livro é muito especial, - Mas o título continua martelando no fundo da minha consciência como um gongo, um pré julgamento fortíssimo, inevitável, que me fez ter um repentino medo de ter oferecida a obra. -
É bem sabido por que gosta de ler, que, se você deixar essa fama espalhar-se, ocasionalmente vai ser praticamente convocado a partilhar da incrível experiência que alguém teve através de um texto, e não consegue imaginar como o resto da humanidade respira sem ter lido a maravilha.
Não foi o caso desse meu grande camarada. Livrou-me dessa. Pra bem ou pra mal, não me prometeu mandar o livro quando terminasse, ou fez menção de que seria meu presente no próximo aniversário. Também não fitou-me ameaçadoramente, ou fez qualquer movimento em direção á enorme faca ao lado de um bonito queijo. Respirei, e cortei a fina linha de suor da nuca.
Livros, são coisas mais pessoais que perfumes, mais ou menos como roupas íntimas. A menos que se tenha uma relação praticamente epidérmica com alguém, jamais lhe dê um livro se ele não fez algum comentário positivo sobre o dito cujo. Porque, se você dá uma cueca, por péssima que ela seja, não vai perguntar se a pessoa usou, e se usou, se é boa, se continua usando, se a curtiu profundamente.
Mas com o texto acontece! É um fato, que quem lhe deu algo de ler, vai fazer a ficha de leitura, vai querer saber suas impressões, e o que achou do desfecho.
Agora, vai dizer que achou uma merda?
Chego a achar que é sacanagem, uma enorme conspiração dos que não lêem contra os amantes da leitura. Empurram o maior abacaxi possível, dizendo o quanto é maravilhoso, numa terrível cara de pau, sem ligar pra opinião que passaremos a ter de alguém capaz de gostar daquela meleca.
Enfim, meu grande amigo foi cuidar do churrasco que assava cheiroso, falando mais pra ele que pra mim do conteúdo, enquanto eu cuidadosamente me retirava com ele – sem dar as costas `aquele volume causador de confusão – e agradeci silenciosamente este meu velho de longa data, por respeitar o gosto alheio.
… Ou será que ele já me ofereceu antes e eu desconversei?